am01

"Não há solução para o país fora da ciência e educação"

Artigo do pró-reitor de pós-graduação, Laerte Ferreira, foi publicado no jornal O Popular

Por Laerte Ferreira/ Reprodução O Popular 

Nesta madrugada, o Brasil colocou em órbita (via um foguete indiano) o Amazônia 1, o primeiro satélite de observação da Terra 100% nacional (depois de 12 anos de desenvolvimento e um projeto inicial que remonta à 2002). O que parece ser só felicidades e motivos para comemoração, esconde um agonizante processo de desindustrialização e inversão de prioridades (com orçamentos insuficientes em educação e ciência) e a consequente sedimentação do nosso atraso tecnológico. 

Em 1988, o então presidente Sarney foi à China, no que parecia ser apenas mais uma visita protocolar; só que não! Talvez pelo fato da comitiva presidencial ter sido integrada pelo ministro Renato Archer (MCT), acompanhado de um jovem assessor (Celso Amorim) e do matemático Marco Antônio Raupp, então diretor do INPE. Assim, uma China recém liberta das trevas da "Revolução Cultural" e ansiosa por desenvolvimento científico e tecnológico, e o Brasil, um país com posição de destaque no cenário internacional de uma ciência emergente (sensoriamento remoto), assinaram um acordo de parceria para a construção do CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite). 

Enquanto o Brasil ficou responsável pelo desenvolvimento e testes de grande parte dos sistemas ópticos, à China coube os estratégicos lançamentos. Trinta anos depois (e seis satélites CBERS lançados), a China perdeu interesse na parceria, pois aprendeu o que precisava e hoje tem a sua própria série de satélites de observação, além de ter pousado na lua em 2020 (e coletado amostras que regressaram à Terra!) e orbitado Marte no início deste ano; também já colocou alguns astronautas em órbita. Quanto ao Brasil, a história é outra, e bem menos glamourosa... 

O sonho de entrar para o seleto clube de países com a capacidade de colocar satélites em órbita foi tragicamente interrompido em agosto de 2003, com a explosão do VLS-1 (Veículo Lançador de Satélites) em Alcântara, na qual morreram 17 pessoas. Da fala eloquente do então presidente Lula no velório, de que as vidas de engenheiros e cientistas seriam honradas com um robusto programa espacial nacional, pouco se avançou e hoje Alcântara  semi-abandonada, é disputada entre ucranianos e americanos para lançamentos comerciais (sem nenhum ganho científico ou tecnológico para o país). Em poucos dias saberemos se está tudo OK com o Amazônia-1, cujos planos para o lançamento de um segundo satélite, em modo de operação conjunta, estão severamente ameaçados pelos sucessivos cortes orçamentários (e a famigerada Emenda Constitucional 95, que congelou investimentos públicos por vinte anos; algo absurdo, sem precedentes no mundo). 

Infelizmente, estamos perdendo o bonde da história... Brasil e China estavam no mesmo nível econômico e tecnológico no início dos anos 80. A China, contudo, investiu de forma maciça em ciência e educação, deixando de ser um país miserável para se tornar uma potência global (com garras afiadas... e ações predatórias em grande parte da África e Sudeste Asiático). A índia é outro exemplo de transformação científica e tecnológica, ainda que com desafios sociais muito complexos (se lembram do país fictício "Belíndia" criado pelo economista Edimar Bacha para se referir ao Brasil na década de 70?). Enfim, não há solução para o Brasil fora da ciência e da educação. 

Fonte: O Popular

Categorias: notícias