Lucas chibebe

Pesquisa propõe nova abordagem para a relação entre tempo, gravidade e termodinâmica

Estudo conduzido por pesquisadores propõe uma conexão entre a seta termodinâmica do tempo e a estrutura causal do espaço-tempo

O artigo "Quantum Detailed Fluctuation Theorem in Curved Spacetimes: The Observer Dependent Nature of Entropy Production", de autoria dos pesquisadores Lucas Céleri (UFG), Marcos Basso (UFABC) e Jonas Maziero (UFSM), propõe um modelo teórico inovador que relaciona a seta termodinâmica do tempo – que aponta da menor para a maior entropia – à estrutura causal do espaço-tempo.

Segundo o Prof. Dr. Lucas Céleri, da UFG, o estudo inaugura uma nova linha de pesquisa em um campo que permanece aberto há mais de um século. A proposta se baseia na Teoria da Relatividade Geral, na Física Estatística e na Mecânica Quântica para descrever a termodinâmica de sistemas quânticos sob a influência da gravidade, considerando as particularidades do espaço-tempo curvo. Nesta entrevista, o professor explica os principais resultados do estudo e as novas perspectivas que ele abre para a compreensão da natureza do tempo.

  • Como você descreveria a principal questão problema que esse estudo buscou responder?

                  Desde a descoberta da Teoria da Relatividade Especial por Albert Einstein em 1905, cientistas tentaram construir uma versão relativística da Termodinâmica, iniciando com o Próprio Einstein e também com Max Planck. Ao longo dos anos, diversos estudos contribuíram para a construção desta teoria. Entretanto, até o momento não temos uma teoria plenamente aceita. Este problema é ainda mais sério quando a Teoria da Relatividade Geral (desenvolvida por Einstein em 1917) entra em campo. Esta teoria é fundamentalmente uma teoria de campo para a gravidade que também descreve a estrutura do espaço e do tempo (ou espaço-tempo).

                  Neste estudo propomos uma nova perspectiva sobre o este problema. Desenvolvemos uma teoria que liga a seta termodinâmica (ou seta do tempo), que aponta da menor para a maior entropia, com a seta causal, que aponta da causa para o efeito. Esta última seta é determinada pela Relatividade Geral e é fundamentalmente dependente do obervador. O ponto central é que o que chamamos de tempo, em relatividade, não é absoluto, mas depende da relação entre sistemas e observadores. Diferentes observadores definem distintas noções de tempo, o que, em nossa teoria, leva a distintas percepções de irreversibilidade (taxa de produção de entropia).

 

  • O que motivou vocês a investigarem essa questão?

                  A ideia surgiu anos atrás, com o entendimento do significado do tempo. Em Newton, como o tempo é absoluto, Não faz sentido dizermos que dois eventos ocorreram no mesmo lugar do espaço sem especificarmos com relação á que sistema de referência estamos definindo o espaço. Mas, faz sentido dizermos que dois eventos ocorreram no mesmo instante de tempo. Neste sentido, o tempo é absoluto. A teoria da relatividade muda isso, dizendo que para afirmarmos que dois eventos ocorrem no mesmo instante de tempo, devemos especificar com relação a quem estamos mensurando o tempo. Observadores distintos medem distintos lapsos de tempo entre dois eventos.

                  Quando a gravitação entra em campo, a coisa muda de maneira mais drástica ainda. O fato de dois relógios situados em distintos locais do espaço apresentarem frequências distintas é o que chamamos de gravidade. Cada observador define sua noção de tempo.

                  Porque isso é importante para a Termodinâmica. Bem, em primeiro lugar, precisamos definir a noção de futuro no tempo para que possamos definir a energia de um sistema físico (seu Hamiltoniano). Tal energia determina a evolução temporal do sistema, bem como a noção de equilíbrio termodinâmico (lei zero da termodinâmica). Desta forma, é esperado que toda a termodinâmica não seja absoluta, mas que seja dependente do observador, dado que é construída sob a noção de tempo.

                  Estas ideias nos levaram a buscar uma teoria para a termodinâmica no contexto da Relatividade Geral.

 

  • Que novas perspectivas o estudo trouxe para essa discussão?

      O artigo descrever um arcabouço teórico sólido, baseado na Teoria da Relatividade Geral, na Física Estatística e na Mecânica Quântica, para descrever a termodinâmica de sistemas quânticos sob a ação da gravidade, vivendo, portanto, em um espaço-tempo curvo. Tal arcabouço é a novidade do artigo.

 

  • Qual a importância desse estudo para a compreensão da natureza do tempo?

                  As teorias fundamentais da física são reversíveis temporalmente. Isso significa que se invertermos o sinal do tempo (sua direção), as previsões fornecidas por estas teorias não mudam. Entretanto, claramente observamos irreversibilidade ao redor de nós todos os dias. Por exemplo, nós envelhecemos. Esta irreversibilidade é dada pela noção de entropia. A segunda lei da termodinâmica diz que, em média, ela sempre aumenta. Isso nos fornece a noção de passagem do tempo. Por este motivo, o aumento da entropia é chamado de seta do tempo.

                  Nosso resultado liga diretamente esta noção com uma outra, chamada de orientabilidade temporal, no contexto da Relatividade Geral. Tal orientabilidade é a propriedade de que observadores, em cada ponto do espaço-tempo, define a direção furua do tempo de maneira própria. E, mais importante, não existe uma noção global da direção futura do tempo. Em outras palavras, o tempo não é absoluto.

                  O significado de ligarmos estes dois conceitos de tempo é que nós percebemos a entropia aumentando, e com isso a seta do tempo, pois vivemos em um espaço-tempo curvo com uma seta causal. Em outras palavras, percebemos o tempo pois a estrutura causal do espaço-tempo, como dada pela Teoria Geral da Relatividade, esconde informação de nós. Esta perda de informação é traduzida como aumento de entropia.

  • Como essa pesquisa pode impactar futuros estudos ou aplicações tecnológicas?

                  Nosso estudo é fundamentalmente teórico. Não esperamos, por enquanto, uma aplicação tecnológica, dado que estamos falando de regimes de energia muito distantes de nossas escalas. Por exemplo, a única aplicação da teoria geral da relatividade que temos até hoje é o sistema de posicionamento global (GPS).

                  No campo teórico, fornecemos uma nova linha para estudar a termodinâmica de sistemas quânticos sob a ação da gravidade. Com isso, um número imenso de possibilidades é aberta. Por exemplo, podemos agora considerar espaços-tempos que possuem buracos negros e estudar o chamado paradoxo de informação.

 

  • Que perguntas ainda permanecem em aberto e merecem ser investigadas no futuro?

                  Ainda estamos muito no início deste estudo. As questões em aberto são imensas. Uma, que estamos investigando no momento, é considerarmos um campo quântico no lugar de um sistema localizado descrito pela mecânica quântica, como consideramos neste primeiro estudo. Este resultado nos forneceria uma teoria completamente relativística, dado que tanto a gravidade como o sistema quântico (um campo) seriam teorias relativísticas.

                  Outras linha refere-se ao entendimento do tempo. Na verdade, sobre todas as diversas noções de tempo, como a ideia de tempo térmico introduzida por Carlo Rovelli, que havia conjecturado uma ligação entre a seta termodinâmica do tempo e a seta causal. Esta é a relação que provamos em nosso artigo.

 

  • A pesquisa direciona recomendações para estudos futuros?

                  Como descrito acima, a pesquisa abre uma nova linha de pesquisa em uma área que está aberta ha mais de 100 anos. Fornece uma nova perspectiva sobre este problema que é crucial para o entendimento de nossas teorias mais fundamentais. 

 

Fonte: PRPG UFG

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